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sábado, 18 de setembro de 2010

Moju quer produzir etanol de mandioca, mas tem fécula sobrando


Embora faça parte do maior estado produtor de mandioca do País, Moju atravessa com dificuldades uma encruzilhada econômica


MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia


BRASÍLIA – Sede da primeira indústria de fécula da Amazônia, Moju deverá iniciar brevemente a produção de álcool etanol de mandiocaba, a mandioca açucarada testada com êxito este mês pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Planaltina (DF), a 40 quilômetros do Plano Piloto de Brasília. O município fica na região nordeste do Pará, a 61 quilômetros de Belém. Tem cerca de 60 mil habitantes e é rico na produção de mandioca, coco, dendê, cupuaçu, feijão, pimenta-do-reino, maracujá, açaí e abacaxi.

Ikeda quer roça sem fogo e etanol de qualidade no nordeste paraense / M.CRUZ
Ikeda quer roça sem fogo e etanol de qualidade no nordeste paraense / M.CRUZ


Segundo o técnico agropecuário da Emater-PA, Flávio Ikeda, que participou durante uma semana da colheita, seleção de manivas e da primeira experiência com a produção de etanol, o prefeito Iran Ataíde de Lima (PMDB) entusiasmou-se com o resultado do teste feito numa microdestilaria e já encomendou uma para o município. Os equipamentos usados pelo pesquisador da Embrapa Biotecnologia, Luiz Joaquim Castelo Branco, são fabricados pela Usinas Sociais Inteligentes, do Rio Grande do Sul.

O prefeito encomendou à Emater-PA assistência técnica para o plantio inicial de cinco hectares de mandiocaba. As mandiocas predominantes no município são das variedades Paulozinho, Ismael e Táxi, todas de poupa branca destinadas à produção de farinha. A produção de mandioca do município é comercializada em pequena proporção na forma de raiz ou transformada em farinha de mesa que se destina ao abastecimento local, aos municípios vizinhos e à região metropolitana de Belém.

Embora faça parte do maior estado produtor de mandioca do País, Moju atravessa com dificuldades uma encruzilhada econômica. Sua fecularia dispõe atualmente de duzentas toneladas do produto, sem ter mercado consumidor. Em outra região amazônica, o Distrito Industrial de Manaus e as panificadoras locais consomem 94 mil toneladas anuais de fécula, totalmente “importadas” de Paranavaí, noroeste do Paraná, a 3,6 mil quilômetros de distância.

Experiência de sucesso

Apuro do álcool de mandiocaba durante o teste feito em Planaltina / M.CRUZ
Apuro do álcool de mandiocaba durante o teste feito em Planaltina / M.CRUZ
“Vamos corrigir isso com urgência, diversificando a cadeia produtiva da mandioca”, previu Ikeda. O Pará tem uma safra de 5,2 milhões de toneladas anuais e aumentará sua produtividade de 16 para 30 toneladas/ha, a partir de 2011, conforme informações da Secretaria Estadual de Agricultura.

A Secretaria de Agricultura do Pará investiu R$ 120 mil na criação de 12 campos experimentais de maniva-sementes, com meio hectare cada, em regiões distintas do Estado. Elas contemplam a diversidade de condições naturais e climáticas do Pará.

Ikeda vem trabalhando inspirado em mestres nessa área, entre os quais, os pesquisadores Manoel da Silva Cravo, do Sistema Bragantino; Otávio Lopes, que introduziu o método Plantio Direto Ecológico; e Raimundo Nonato Brabo Alves, da Embrapa Amazônia Oriental. “Para expandir-se, a mandioca não precisa de fogo, nem de devastação. Já me chamaram de ‘japonês doido por lá, mas eu vou em frente com esse projeto”, disse Ikeda, categoricamente, à Agência Amazônia.

Segundo explica, as variedades precoces de mandioca já obtêm sucesso em lugares onde não houve queima. O método tradicional de queima e broca da área provoca a degradação do solo. “Um pequeno agricultor plantou, colheu bem e já replantou”, observou. Esse êxito pode ser de todos, acredita o técnico.

Levantamento dos pesquisadores Raimundo Nonato Brabo Alves (Embrapa Amazônia Oriental) e Carlos Estevão Leite Cardoso (Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical) revela que as propriedades possuem no município, a média de 25 hectares. Outro fator positivo: 15 % dos produtores têm a posse da terra. A mão-de-obra predominante é familiar e a força de trabalho ainda é manual.



Trio da produtividade

Aos poucos, porém, pequenos agricultores paraenses se convencem da importância do denominado “trio da produtividade”, que se baseia em três ações para dobrar a produtividade: 1) a seleção da maniva de 8 a 10 meses, com a dispensa do toco e da ponteira; 2) o plantio no espaçamento 1 x 1 e; 3) a limpeza da área em 90 dias de plantio, sem invasoras.

Discípulo da “roça sem fogo”, divulgada pelo pesquisador Raimundo Brabo, o técnico Ikeda lembra-se de que uma colega da Emater-PA em Abaetetuba, a técnica Marisita Lima, montou uma unidade de observação, adotando esse trio, que logo virou quarteto. Ela acrescentou o tucupi como adubo. Levou o método para Santarém, mas foi novamente removida e está de volta a Moju. Feliz da vida.



Mandioca é saída ecológica para pequenos

Agricultor que não queima roça mostra um exemplar de mandiocaba / DIV
Agricultor que não queima roça mostra um exemplar de mandiocaba / DIV


BRASÍLIA – Em Moju, os produtores utilizam duas épocas de plantio: uma no início do período chuvoso, que ocorre em dezembro, e outra no início do período de estiagem, no mês de junho, denominado plantio de “verão”. Segundo alguns agricultores, esse método reduz o número de capinas e a incidência de podridão radicular. Alguns produtores já selecionam cultivares e o material a ser plantado.

A agricultura familiar na Amazônia caracteriza-se pelos processos de corte e queima da vegetação. Se por um lado essa prática reduz os custos de preparo do solo, por outro, acelera drasticamente o empobrecimento desse solo, principalmente em virtude da volatilização dos nutrientes no momento da combustão. A grande quantidade de CO2 emitido para a atmosfera é uma das más conseqüências disso.

A “roça sem fogo” foi também objeto de tese de mestrado do agrônomo Paulo Emílio Lovato, da Universidade Federal de Santa Catarina; da agrônoma especializada em agrossistemas da Universidade Federal do Pará, Maristela Marques da Silva; e da pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, Irma Célia Vieira. A equipe lembra que o projeto surgiu de uma experiência pioneira coordenada pela Fundação Viver, Produzir e Preservar, organização não-governamental que atua nos municípios de Altamira, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará, Placas, Senador José Porfírio, Porto de Moz e Vitória do Xingu, ao longo da rodovia Transamazônica (BR-230), no Pará.

Cerca de 150 famílias, cada qual com um hectare, foram beneficiadas. A técnica, segundo eles, consiste em utilizar áreas de floresta secundária, nas quais inicialmente é feita a roçagem para a retirada da vegetação original. Os materiais resultantes da roçagem – galhos e troncos – ficam acumulados sobre a superfície do solo, onde são colocadas espécies de cobertura, especialmente mucuna-preta, bananeira e mamona. Elas abafam ervas daninhas e auxiliam a decomposição do material vegetativo oriundo da roçagem da própria vegetação.

Há oito anos os pesquisadores constaram que mudanças na forma de encarar a representação predominante na região de que “sem fogo não se produz” não ocorreriam rapidamente. Mas acreditaram, como tantos outros acreditam, a exemplo de Ikeda em pleno século 21, que as mudanças vão além das questões práticas. Possuem o valor simbólico de trazer a fertilidade para a terra e garantir a reprodução social da família. (M.C.)




SAIBA MAIS

▪ Em Moju, a lavoura de mandioca é conduzida predominantemente por pequenos agricultores familiares, totalizando dois mil hectares, correspondentes a 0,6 % da área cultivada no Estado e uma produção de mais de 52 mil toneladas de raiz, em 2005 (IBGE, 2007).

▪ A mandioca representa de 80 % a 85 % da renda familiar na região. As propriedades estão, em média, distante 80 quilômetros da sede do município e as condições de acesso são ruins.▪ Problemas: o material de plantio (manivas) é retirado na própria propriedade e não recebe nenhuma tipo de seleção ou tratamento contra pragas e doenças, conforme levantamento feito há quase três anos.

▪ Menos de 30 % dos produtores tiveram acesso a crédito e menos de 20 % aos serviços de assistência técnica. Quanto ao destino da produção, 85% é para comercialização e 15% para o consumo familiar.



Mandioca doce da Amazônia vira etanol

O resultado do primeiro teste com a mandiocaba - a mandioca doce da Amazônia - usada para a fabricação de etanol, surpreendeu os cientistas da Embrapa. Reunidos no final de março, eles constataram que os 250 quilos de massa desintegrada dessa variedade, levados às dornas de uma microdestilaria montada na garagem da Embrapa Cerrados (Planaltina-DF), renderam 25 litros de etanol (C2H5OH). Foi pouco, mas significativo. "Além do açúcar utilizado naturalmente na fabricação do etanol, apareceram na experiência outros açúcares que não entram na fermentação", revelou o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho. Segundo ele explicou, os próximos testes, que serão realizados ainda este ano, exigirão ação rápida que possa evitar a formação de aldeídeos (compostos químicos orgânicos). "Concentraremos esforços para utilizar todo o potencial dessa variedade", disse Carvalho, no fim do primeiro teste. Para transformar a mandioca doce em etanol, Carvalho e outros pesquisadores da Embrapa utilizaram uma microdestilaria da Usinas Sociais Inteligentes (USI), empresa de Porto Alegre que comercializa esse equipamento que é fabricado há três anos. A massa de mandioca fermentou por um período de Rendimento da destilação 5 a 7 mil litros por hectare é o total de bioetanolproduzido pela cana-de-açúcar 4 a 6 mil litros por hectare é o total de bioetanol produzido pela batata-doce 4 a 6 mil litros por hectare é o total de bioetanol produzido pela mandioca 3,5 a 4,5 mil litros por hectare é o total de bioetanol produzido pelo sorgo sacar ino Intercâmbio com a China aproximadamente dez horas, entrou em destilação e o álcool saiu a 96 GL (sigla de Gay Jussac e Cartier, criadores do densímetro para álcool). Custos Segundo o engenheiro Eduardo Malmann, da USI, a tecnologia "preserva o lado social e ambiental" e pode ser utilizada em propriedades rurais, cooperativas e prefeituras. Custo de produção do bioetanol por esse sistema fica entre R$ 0,35 e R$ 0,50 o litro. Carvalho lembrou que na mandioca não existe nenhum composto que iniba o processo biológico de fermentação alcoólica. Ele estima que, dependendo da região, a obtenção do álcool a partir dela poderá ser mais barata, inclusive, do que pela cana-de-açúcar. A mandiocaba vem sendo testada pela Embrapa Cerrados e, de acordo com o pesquisador Josefino Fialho, espera-se ainda o resultado da produtividade dessa variedade nos cerca de dois hectares de campos experimentais. Conversão rápida A experiência detalhada por Carvalho será agora oferecida à Agência Nacional de Petróleo (ANP). A agência estabelece para o País três tipos de produção de álcool combustível: o anidro, sem água, com 99% a 100%, usado diretamente nos carros flex; o álcool de 95 a 96 GL, com 5% de água, que não se mistura à gasolina e é usado diretamente na bomba; e o álcool convertido em aditivo para a gasolina. Carvalho iniciou, em 1996, pesquisas com as variedades de mandioca coloridas e açucaradas. Em 2003 produziu o xarope glicosado e em 2008 chegou ao álcool. Ele explica que a composição de açúcar dessa planta confere uma rapidez ao processo de conversão em álcool, enquanto o açúcar da cana leva 14 horas para ser beneficiado. A fabricação de etanol de mandiocaba dispensa o processo de hidrólise e adição de enzimas (importadas), o que pode reduzir o custo energético até 40%. Cada hectare de mandiocaba rende 14 metros cúbicos de álcool. Pelo processo convencional de hidrólise de amido da mandioca o rendimento é em torno de 6,4 m³ de álcool por um processo de fermentação que dura até 70 horas, enquanto o processo tradicional da cana-de-açúcar chegou a 8 m³ em 48 horas. Enquanto uma tonelada de cana produz 85 litros de álcool, a mesma quantidade de mandioca rende 211 litros do combustível. Porém, os custos de produção da cana-de-açúcar são menores em cerca de 50% quando comparados aos da mandioca. A variedade, até então privilégio da Amazônia, está sendo cultivada no Cerrado pelos técnicos da Embrapa. Em Planaltina, a 40 quilômetros do Plano Piloto, a produtividade é até quatro vezes menor, mas os pesquisadores buscam melhoramentos genéticos para colher mais mandioca-doce. Fala-se até em 10 toneladas/ha.

Intercâmbio com a China

Ao redor da microdestilaria, os visitantes acompanham a experiência que definirá o uso da mandiocaba como principal ingrediente na produção do etanol. Quase ninguém se mexe do lugar. Os olhos estão fixos na massa que sai lentamente da máquina trituradora e na pesagem. A engenheira química Sílvia Belém, da área de Bioenergia, confere as dezenas de baldes com a matéria-prima e anota tudo numa planilha. Suas explicações são traduzidas em inglês por um funcionário da Embrapa Biotecnologia. Os professores Wenquan Wang, da Academia de Ciência Chinesa para Agricultura Tropical (Catas), e Xin Chen, do Instituto Tropical de Biociência, acompanharam o professor Bin Liu, PhD do Instituto de Genomas de Beijing (China) e assistente de direção daquela instituição de ensino. Estudiosos do sequenciamento de genoma de suínos, de frangos e do ser humano, agora eles conhecem o uso da mandioca na fabricação de álcool. Na semana passada, eles visitaram o banco ativo de germoplasma de mandioca da Embrapa Cerrados, que reúne uma coleção com quinhentas variedades de diferentes procedências, entre as quais, a mandiocaba. Percorreram o trecho de aproximadamente 2 hectares de mandiocaba cultivada no Cerrado. Segundo o pesquisador Josefino Fialho, o primeiro arranquio ocorreu um ano após o plantio. Parte da lavoura foi plantada em novembro de 2008. Embrapa e Catas assinaram um memorando visando a cooperação em melhoramento genético da mandioca. Produtividade O pesquisador Eduardo Alano Vieira mostrou ainda aos pesquisadores o aumento da produtividade das variedades vermelha - rica em licopeno - e amarela - espécie com maior teor de betacaroteno. A Catas possui uma coleção com cerca de mil acessos de mandioca.Oacordo com a Embrapa prevê a possibilidade de coleta e intercâmbio de material genético de acordo com a legislação dos dois países. O agrônomo Flávio Ikeda, da Emater-PA, veio de Abaetetuba para participar do teste, e saiu satisfeito. "Vim para entender como ocorre essa transformação e para saber como está o desenvolvimento da mandiocaba no Cerrado. "Lá em Moju (60 mil habitantes, a 80 quilômetros de Belém), temos a missão de plantar, ainda neste semestre, pelo menos cinco hectares dessa variedade para iniciar a fabricação de etanol", diz Ikeda. Ele diz que Moju é um caso especial de êxito econômico no Pará: além de ser um município mandioqueiro com renda per capita de R$ 2,2 mil, segundo o censo de 2005 do IBGE, conta hoje com duas grandes indústrias que produzem óleo de dendê. Lá também funciona a primeira fecularia da Amazônia. "Mesmo assim, o Pará, o Acre, Rondônia e Amazonas ainda adquiremfécula em Paranava(noroeste do Paraná), a distâncias que variam de 3,6 mil a 4 mil quilômetros. "O etanol unirá o útil ao agradável", afirma Ikeda.

Rendimento da destilação

5 a 7 mil litros por hectare é o total de bioetanol produzido pela cana-de-açúcar

4 a 6 mil litros por hectare é o total de bioetanol produzido pela batata-doce

4 a 6 mil litros por hectare é o total de bioetanol produzido pela mandioca

3,5 a 4,5 mil litros por hectare é o total de bioetanol produzido pelo sorgo sacarino